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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Um amor de Swann


Mas na idade já um pouco desiludida da qual se aproximava Swann e na qual uma pessoa sabe se contentar em estar apaixonada pelo simples prazer de estar, sem fazer demasiadas exigências de reciprocidade, tal aproximação de corações, se não é mais, como na primeira juventude, o objetivo para o qual tende necessariamente o amor, permanece em compensação unida por uma associação de ideias tão intensa que pode dele se tornar a causa, caso antes dele se apresente. Sonhava-se outrora possuir o coração da mulher pela qual se estava apaixonado; mais tarde, sentir que se possui o coração de uma mulher pode bastar para que se fique apaixonado. Assim, na idade na qual pareceria, já que se busca sobretudo no amor um prazer subjetivo, que a parte do apreço pela beleza de uma mulher deve ser a maior de todas, o amor pode nascer - amor dos mais físicos - sem que tenha existido, na base, um desejo preliminar. Nessa época da vida, já fomos muitas vezes atingidos pelo amor; ele não mais evolui apenas de acordo com as suas próprias leis desconhecidas e fatais diante de nosso coração surpreso e passivo. Nós vamos em seu auxílio, nós o falseamos com a memória, com a sugestão. Reconhecendo um de seus sintomas, lembramos, fazemos renascer os outros. Como possuímos sua canção inteira em nós gravada, não precisamos que uma mulher nos diga o início - repleto da admiração que a beleza inspira - para encontrarmos a continuação. E se ela começa pelo meio – lá onde os corações se aproximam, onde se fala de não mais existirmos senão um para o outro –, estamos bastante habituados à música para irmos de imediato ao encontro de nossa parceira, no trecho em que ela nos espera.

PROUST, M. Um amor de Swann. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 25-26.

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