Mas na
idade já um pouco desiludida da qual se aproximava Swann e na qual uma pessoa
sabe se contentar em estar apaixonada pelo simples prazer de estar, sem fazer
demasiadas exigências de reciprocidade, tal aproximação de corações, se não é
mais, como na primeira juventude, o objetivo para o qual tende necessariamente
o amor, permanece em compensação unida por uma associação de ideias tão intensa
que pode dele se tornar a causa, caso antes dele se apresente. Sonhava-se
outrora possuir o coração da mulher pela qual se estava apaixonado; mais tarde,
sentir que se possui o coração de uma mulher pode bastar para que se fique
apaixonado. Assim, na idade na qual pareceria, já que se busca sobretudo no
amor um prazer subjetivo, que a parte do apreço pela beleza de uma mulher deve
ser a maior de todas, o amor pode nascer - amor dos mais físicos - sem que
tenha existido, na base, um desejo preliminar. Nessa época da vida, já fomos
muitas vezes atingidos pelo amor; ele não mais evolui apenas de acordo com as
suas próprias leis desconhecidas e fatais diante de nosso coração surpreso e
passivo. Nós vamos em seu auxílio, nós o falseamos com a memória, com a
sugestão. Reconhecendo um de seus sintomas, lembramos, fazemos renascer os
outros. Como possuímos sua canção inteira em nós gravada, não precisamos que
uma mulher nos diga o início - repleto da admiração que a beleza inspira - para
encontrarmos a continuação. E se ela começa pelo meio – lá onde os corações
se aproximam, onde se fala de não mais existirmos senão um para o outro –,
estamos bastante habituados à música para irmos de imediato ao encontro de
nossa parceira, no trecho em que ela nos espera.
PROUST,
M. Um amor de Swann. Porto Alegre:
L&PM, 2011, p. 25-26.
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