A criação deste blog é
uma tentativa de retomar o exercício de um determinado tipo de escrita, deixada
em segundo plano logo depois de eu ter entrado na universidade. Ou melhor, é um
deslocamento que venho tentando realizar a algum tempo em relação àquele tipo
de escrita acadêmica “positivista”, ou com aquele tipo de escrita influenciada
por uma preocupação com a formalização da linguagem natural e criação de uma
artificial que transcenda os limites da primeira. Não que esse tipo de escrita
formal tenha pouco valor, mérito ou razão de ser, mas creio que certas relações
que se estabelecem com esse tipo de escrita embrutecem o pensamento e embotam a
sensibilidade.
É interessante como alguns homens e mulheres “doutos” e
“cultos” limitam todo seu potencial criativo a um tipo de escrita praticada
somente entre os muros do seu local de trabalho; como se deixam submeter e
resumir à figura do “homem/mulher de carreira”, afastando-se do mundo comum. Interessante,
também, como alguns aspirantes a “jovem cientista” se deixam reduzir à condição
de “filhotes de orientador”. E aqui não
me refiro aos doutos da área de “ciências exatas”, mas das humanas de modo
geral. Ao mesmo tempo em que podem possuir um profundo conhecimento da
literatura de suas respectivas áreas, destilam preconceito em relação aquilo
que menos fazem questão de conhecer e compreender com a mesma atenção e cuidado
com que cumprem suas obrigações profissionais: a realidade que extrapola a realidade
do seu gabinete. Essa parece ser a posição que alguns intelectuais se colocam: a
de cumpridores de tarefas, de pequenos empresários que buscam atingir metas de
produção e, assim, arrecadar mais receitas para a contínua reprodução dessa
lógica.
A lógica que faz
funcionar a cabeça de alguns educadores atualmente parece ter muito a ver com essa
lógica empresarial. Pesquisar já não é “apenas” produzir conhecimento, mas
investir em um pé-de-meia complementar a renda de professor. Tudo é
investimento, de tudo se espera algum retorno financeiro (bolsas). Nessa lógica
os estudantes e orientandos transformam-se em assistentes que precisam auxiliar
o patrão a atingir as metas de produtividade da empresa ou do programa de
pós-graduação. Assim, o mercado da pesquisa no Brasil é muito competitivo, pois
na disputa por verbas para financiar o pé-de-meia dos professores e, por
conseguinte, suas pesquisas, há uma linha tênue que separa o profissional do
imoral. Desse modo, alguns professores não se incomodam nem um pouco em deixar
o seu propalado profissionalismo de lado e partir para as práticas mais vis e
baixas para destruir seus concorrentes e colegas de trabalho. Nesse sentido
concordo que já não nos distanciamos tanto de um operário, pois se o trabalho
do pensamento não segue exatamente a lógica produtivista da CAPES, ele é
flexível o suficiente para ser capturado e submetido a um determinado modelo de
produção intelectual. O trabalho realizado por alguns educadores, filósofos ou
pesquisadores em geral poderia ser caracterizado como um trabalho de luto. Não
seria a ineficiência das políticas públicas para a Educação, dos recursos e do
gerenciamento desses recursos públicos apenas mais um sintoma dessa
esterilidade e não “o” problema da educação?
O debate acerca da
Educação brasileira geralmente gira em torno do mesmo tema: verba e
financiamento. Ao fim e ao cabo é por isso que se faz greve. Esse tem sido o
ponto nevrálgico desses debates. Resumir todo o trabalho do pensamento e toda
prática educativa a um pragmatismo grosso que visa especialmente o aumento da
(re)produção bibliográfica do saber já é sucatear a Educação. Muitas vezes não
é a falta de verba que incentiva esse trabalho de luto, mas ao contrário,
investe-se e incentiva-se cada vez mais esse tipo de trabalho. Antes de decidir
aumentar as verbas para Educação não seria preciso decidir mudar de pensamento
acerca do que estamos fazendo em educação atualmente? Ao passo que os
investimentos em pesquisa crescem no Brasil, em que inúmeros programas de
pós-graduação se consolidam, temos apenas 62% de universitários brasileiros
plenamente alfabetizados. Além da necessária melhoraria do ensino básico, é
preciso que os professores universitários se dediquem mais ao trabalho em sala
de aula, se dediquem e lutem por melhoria nos cursos de licenciatura para que
os futuros professores da educação básica não reproduzam essa miséria intelectual
nas salas de aula.
Alguns não se dedicam
nem a uma nem a outra coisa, não querem nem fazer o pé-de-meia da pesquisa, nem
dedicar-se seriamente ao trabalho em sala de aula, mas apenas participar do show
business acadêmico. Querem brilhar, e por isso estão mais para showman do que
para professores e/ou pesquisadores. No entanto, como são bons atores,
interpretam o papel de professor com uma paradoxal mestria. Lembro que no curso
de Filosofia sempre houveram pessoas que estavam ali como uma “segunda opção”. Haviam
aqueles que queriam estar na Medicina, na Psicologia, no Direito etc. Incluiria
entre eles aqueles que gostariam de estar cursando e ter êxito em algum curso
de “ciências exatas” e aqueles que, a meu ver, gostariam de ter seguido uma
carreira mais próxima daquela das Artes Cênicas. O aspirante a “jovem
cientista” e o velho ator taxonômico.
No entanto, é curioso
verificar que são justamente essas duas figuras que determinam, atualmente, o
que é ou não é Filosofia... com taxonomias, vestibulares e et cetera. Nesse caso, do ator taxonomista, creio que uma boa área
de conhecimento seria a Biologia. O filósofo-ator-taxônomo é aquele que ao
invés de pensar a Biologia filosoficamente, pensa a Filosofia “biologicamente”,
aplicando métodos originários da Biologia para a classificação dos diversos
graus de dificuldade filosófica de uma determinada questão ou enunciado. Para
que pensar a filosofia filosoficamente se temos a Biologia? Dir-se-á que não se
trata de uma taxonomia das ciências exatas, mas aquela das ciências sociais e “blá,
blá, blá”. Enfim. De todo modo, um método científico para determinar a
relevância filosófica de um enunciado. Para que filósofos? Não poderíamos criar
máquinas capazes de classificar e estabelecer os diferentes graus filosóficos de
determinados enunciados ou questões? No
Brasil já conseguimos, a nosso modo, dar um passo nesse sentido: sabemos se um
estudante do ensino médio “filosofou” depois de uma leitora automática
verificar se o mesmo respondeu corretamente as questões em um cartão resposta.
Sabemos se um curso de filosofia está apto a formar o filósofo profissional
quando seus acadêmicos respondem adequadamente a prova do ENADE. É o círculo da
miséria intelectual institucionalizada e financiada com o dinheiro que é
arrancado (imposto) daqueles que deverão, por obrigação cívica ou legal, fazer
a roda desse sinistro engenho girar.
Por
isso, como diria Nelson Rodrigues, “Deus me livre de ser inteligente”. Ou
ainda, parafraseando Estamira, Deus me livre de ser um inteligente ao
contrário. Se defender e sustentar todo esse sistema é pré-requisito para ser
reconhecido como alguém inteligente que pensa e filosofa, prefiro a burrice,
que conforme Nelson Rodrigues tem ao seu favor a eternidade. Mas se não estou
completamente equivocado, a eternidade da burrice justificaria o meu pessimismo
em relação a possibilidade de encontrarmos uma “solução” mais inteligente para
os problemas da educação, pois a própria ideia de solução que nos é apresentada
já é coisa de espertos ao contrário. Aquela solução que carrega consigo um
problema bem maior. O velho truque do “presente de grego”.
Este blog é desprovido de pretensões
que não sejam as de gritar, mas também de cantar, certas coisas. Portanto, com
ele buscarei abordar algumas questões que foram apenas esboçadas ou insinuadas
neste post, relativas às minhas áreas
de interesse, isto é, Filosofia, Política, Educação e... Lazer.
Obs:
a frase da pichação é do filme “Uma mente brilhante”.
Fontes:
Fotografia
da pichação
Pesquisa
sobre alfabetismo funcional na última década