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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Universidade, apropriação e re-produção de conhecimento

A Universidade não se apresenta apenas como um dos problemas da Educação em geral, mas como um dos problemas do processo de escolarização contemporânea, na “urgência” ou “necessidade” de sua adequação a uma economia de mercado e a uma sociedade de consumo. No entanto, o problema não está apenas, e de modo geral, na (in)distinção entre público e privado, mas também na (in)distinção entre o educador e o profissional-oficial da educação escolarizada, mais conhecido como “professor” (na universidade há ainda o oficial da pesquisa, em suas duas categorias e variados níveis). É possível estabelecer uma relação entre apropriação e re-produção do conhecimento mais próxima da figura de um educador do que a de um oficial que desempenha uma determinada função dentro do quadro burocrático do Estado? De que modo a educação concebida dentro desse quadro pode ser problematizada a partir da concepção de Universidade fundamentada no chamado tripé Ensino-Pesquisa-Extensão?

Desse modo, a essa temática geral articula-se a seguinte questão: a quem ou para que serve o conhecimento apropriado, produzido e reproduzido na Universidade? Se partirmos da hipótese ou pressuposto de que a Universidade deve cumprir um ou mais papéis sociais, então teremos de admitir que o conhecimento que ali é produzido ou reproduzido garanta mais do que apenas a produção ou reprodução indefinida de novos conhecimentos. Ora, mas qual tem sido a concepção de produção científica se não a de uma produção e reprodução indefinida de novos “papers”?

A Universidade fundamenta-se, pelo menos idealmente, no chamado tripé ensino-pesquisa-extensão. Se a Universidade fundamenta-se neste tripé, isso pressupõe que a próprio conceito de “universidade” depende da definição articulada de outros três conceitos. Sem a articulação entre esses três conceitos que, por conseguinte, devem implicar numa prática educacional articulada, uma das bases do tripé ficará comprometida, logo, compromete-se o fundamento mesmo daquilo que compreendemos e concebemos como Universidade, colocando em cheque a existência dessa instituição enquanto tal. Dessa maneira, para compreender a questão da apropriação e re-produção do conhecimento é preciso articulá-la à essa outra problemática, do tripé, sem a qual o conceito ou funcionalidade da instituição universitária fica comprometida dentro daquilo que se propõe a realizar enquanto instituição que deve cumprir uma “função social”.

Ao primeiro elemento deste tripé, o Ensino, vincula-se tradicionalmente a tarefa ou atividade de transmissão de conhecimentos. Com isso o Ensino estaria mais atrelado à reprodução e apropriação de determinados conhecimentos do que a sua produção. A produção é comumente relacionada ao segundo elemento do tripé, a Pesquisa. Esta seria a atividade de produção de novos conhecimentos a partir do conhecimento do que já está dado e dos novos problemas por eles colocados, que tenham o objetivo de completar algumas lacunas dos já existentes ou mesmo revolucioná-los. A atividade do primeiro pé (Ensino) é geralmente atribuída à figura do professor, e a atividade do segundo à figura do pesquisador ou cientista. Mas e a Extensão, o que é e para que serve? Quem é o profissional responsável pelas atividades de extensão, quem é o “extensionista”?

Se a atividade de ensino refere-se à função de professor e a atividade de pesquisa a do cientista pesquisador, a atividade de extensão parece carecer de uma determinação profissional. É justamente por esta carência que se costuma dizer que o tripé que fundamenta a instituição universitária está “capenga”. Como, então, poderíamos explicar esse ser-para-a-capenguice, essa condição ontológica precária de nossas universidades?

Se a São Tomás de Aquino e outros filósofos de sua época colocava-se o problema da trindade, isto é, de explicar como há um só Deus em três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo), ao mesmo tempo iguais e distintas, a nós cabe pensar como, em uma única figura, viabilizaremos três e suas respectivas funções e atividades. O problema da indeterminação de uma figura profissional responsável pelas atividades de extensão poderá ser trabalhado no sentido não de uma resolução, mas de uma atualização do modo como temos nos relacionado com ele, quando as outras duas se vejam uma na outra e, a partir disso, assumam ou reconheçam que a Universidade também tem uma função que não se encerra em si mesma, nos limites da sala de aula ou dos laboratórios.

A articulação entre ensino, pesquisa e extensão, que dá sustentação ao conceito de “universidade” depende, portanto, da existência desse ser-educador trino. E esse é o desafio da docência universitária. De nada adianta que o professor ensine, transmita um conhecimento apenas no sentido de sua reprodução, para que seus alunos apenas se apropriem acriticamente desse conhecimento, de modo a ter só mais um conteúdo em suas cabeças que, posteriormente, será sobreposto por outros e logo esquecido. Da mesma maneira, de nada adianta que o pesquisador ou cientista produza um conhecimento cujo único objetivo seja a produção de novos conhecimentos ou “papers”. O objetivo não deve ser apenas o conhecimento por ele mesmo, mas o que ele pode produzir de novo em nossas vidas.

Portanto, o conceito de “universidade” só subsiste se a apropriação e produção do conhecimento seja pensada a partir da articulação ensino-pesquisa-extensão e desse ser terrestre trino docente-pesquisador-extensionista. A apropriação e produção deixa de se restringir a sala de aula ou a laboratórios, e passa a ser pensada no sentido de uma apropriação e produção social mais ampla, fazendo com que o conhecimento tenha uma relevância social maior do que as dos índices de citações de uma publicação científica em outra.